segunda-feira, 21 de abril de 2008

UM RIO FEDERAL


Foto Blog Enchente do Açu

Zelito Coringa (*)

Ele nasce na serra do Bongá divisa da Paraíba com o Ceará, percorre grande parte do torrão paraibano, sendo conhecido por Piranhas-Açu. Porém, quando atravessa o Estado Potiguar, passa a ser chamado simplesmente de Rio Açu. Após a construção da "Barragem Armando Ribeiro Gonçalves" - Inaugurada oficialmente em 1984, tornou-se totalmente perene. Ouviu-se de olhos apitombados as promessas fabulosas do desenvolvimento que chegaria a esta região riquissima. Dado pelo corte da fita inaugural das autoridades e estudiosos proféticos da época. Sob o controle das sangrias haveria financiamentos: Eletrificação com baixos custos, implementos agrícolas, capacitação e direito a muita pabulagem nas pontas de calçadas do puxaquismo, e até amedrontamentos de baleias destruidoras de altares. Fui menino que pinotava de barreira à barreira no leito do rio Olho D'água, mergulhava feito piaba tonta, este um de seus afluentes. Naquela meninice não imaginava que as águas ficassem presas por comportas gigantes e acabasse a diversão dos pobres inocentes como eu. O vírus causador da sua morte lenta, pode ser batizado pelo povo de apoderamento do que é nosso, que migra de terra em terra, principalmente se o solo for rico em nutrientes e as leis ambientais forem dissimuladas. Configura-se nocivo aos que forem defensores desta causa. Num tempo não muito distante atribuiam-se toda a maldade aos justiceiros, bandoleiros e aos cidadãos conscientes. Agora parece tudo invisível aos olhos de muitas autoridades. Não há mais Manoel Torquato com seu sindicato do Garranho, Lampião com o seu bando de saquedores, nem fanatismo, tabus e pudores, nem a ilusão ou razão de nem um idealismo. Tudo é questão de sobrevivência e solidariedade aos que já quebraram seus potes de água ao beberem seus agrotóxicos. E quem daqui pra frente pagará a conta do consumo potável das irrigações gigantes? Será que é somente a população ao escovar os dentes na pia? De quem é o dever de cuidar das nossas fontes? O presidente, o governador, o prefeito, o vereador do povo, o deputado doido, o senador afoito, e os mais defensores do povo? E os meninotes do presente que lavam suas motos e carros no leito do rio, mijando o álcool do último porre? - Não digam que é inverdade, nem atirem a primeira pedra. Isso tudo quem disse foi um cabra metido a doido das bandas dos carnaubais, e eu na escutação da conversa esqueci de gravar seu nome. Façamos valer um novo gesto educativo, reafirmando que somos varzeanos da mesma nascente.

O autor é músico e poeta, natural da Cidade de Carnaubais-RN.

E SE NÃO HOUVESSE MILLÔR?


Salpicados, respingados, quase encharcados pelo sensacionalismo da mídia, abrimos VEJA e vemos, em 23.04.08, em meio aos escândalos, aos crimes hediondos, à impunidade, à torpeza das intenções de perpetuação no poder, em desrespeito à sapientíssima lucidez do presidente do STF, Dr. Gilmar Mendes, a nos ensinar o que é democracia e estado de direito, de degrau em degrau, pousamos na página de Millôr.
E, para gáudio de nossa modesta, quase rasteira eloqüência, deparamo-nos com outro emaranhado de ensinamentos clássicos, distantes, muito distantes do alcance de nossas armadilhas captadoras. Millôr nos saúda com as mais sábias tiradas filosóficas de Santo Agostinho – sim! Isso mesmo! – Aquele Santo Agostinho que, sem aviões, sem OVNIs, sem mísseis, saltou lá dos mais libidinosos charcos senegaleses, apenas com a sabedoria e o “pulo do gato”, para a santificação.
E Millôr, saltando também do cordelista Cuíca que, por ser nosdestino, conterrâneo, portanto, de Catulo da Paixão Cearense, de Zé Lins do Rego e de Renato Caldas, igualmente deveria ser santificado. Saltando Millôr, como dizíamos, a atingir outras celebridades, como Goulde, Nobel, Hearst, Frick, Gurbelkian, Orson Wellis, Murdock, Chateaubrind e Ermírio de Morais (para não se dizer que desprezou os brasileiros), sacando os magos da comunicação e de outros mundos, ainda não santificados, por falta de vagas – quem sabe?
Com toda essa gama de celebridades a nós apresentados informalmente, lá no final, em roda-pé do melhor cursivo, Millôr ainda nos convoca a assistir a um pega de Hearst com Orson Wellis, sob arbitragem de Freud e referências especialmente libidinosas com que Herast nos desacata, exibindo a desrecatada, porém “pudenda periquita de sua eterna amante Marion Davies”.
Nós, inebriados, abestalhados, perguntamos: E SE NÃO HOUVESSE MILLÔR?

Gilberto Freire de Melo
Fone 084. 3234.8881
E-mail: gefemelo@ig.com.br

O GUARDIÃO DO RIO

HOMENAGEM EM VIDA
AO POETA ANTÔNIO FRANCISCO -


Nas Sete Linhas do Cordel Xilogravado

Zelito Coringa (*)


Quando a viola atiça
O entrançado das rimas
E uns três contos de réis
Ofertados para as primas
Com seus trejeitos tonais
Pelos arpejos risais
No jardim das pantomimas

E o girassol dos versos
Se abrindo de bondade
Na janela do improviso
Com toda velocidade
Faz voar o tamborete
Onde o pé de parede
É palco da felicidade

Nessa hora os presentes
Batendo palmas de mão
E todo bem que existe
Salta do seu coração
Tirando da inteligencia
Na rapidez da urgencia
Montado no seu bordão

Feito a cigarra e a Jia
Rezando sua novena
Pedindo ao pai do céu
Gotas de água serena
E quase morto de sede
O sertão chora na rede
Nos braços da Quarentena

E a familia se ofende
Da tirania da fome
Os filhos de Zé Ninguém
Não vou dizer sobrenome
Magricelas e sambudos
Foram buscar nos estudos
O pincel que pinta o nome

Quando alguém na multidão
Nomeiam de vagabundo
Por viver de praça em praça
Com uma viola sem fundo
Tocando a simplicidade
Sem pensar em vaidade
Livre das grades do mundo

Certamente é esta a sina
Do cantador de repente
Que mesmo sendo sofrida
Ofereçe de presente
A sua face pintada
Sempre pode ser tocada
Por qualquer mão inocente

Por nome Antôi de Nira
Lá da lagoa do mato
Vivo na face do riso
Brincando no seu regato
Nas estótrias fabulosas
Do livro das primorosas
Que ganhei depois de um trato

Desse conto estridente
Tocado em Si bemol
Dentro das linhas do mote
No caderno do arrebol
Fazendo a terra chover
Botando pra derreter
As sete brasas do sol

Quando o Máscara de Prego
Filho do rei invejoso
Tomou o canto da feira
Pensando ser fabuloso
Inventou falso talento
Fabricando com fermento
Asas do misterioso

Sem a leveza das penas
E as cores da verdade
Rimando pé de besteira
Desfazendo a humildade
Por mais de dez não me toque
Se maquiou no retoque
Com o batom da falsidade

Pensando ser Zé Limeira
Deus afamado no verso
Mais uma pedra certeira
Dum raio fez o reverso
Esticada rente ao gancho
E por entre o garrancho
Acertou o vil perverso

E zuniu no pé do ouvido
Daquele mente de sarro
A pedra da baladeira
Feita di’um torrão de barro
Bateu no peste traquino
Que partiu pisando fino
No cuspe do seu escarro

Foi simbora o descarado
Soltando o matulão
Sumindo de arrebate
De pés descalço no chão
Numa ponta de calçada
Vi meu Riso da risada
Mostrando seu chinelão

E falando da infância
Repleto de alegria
Sem pular fora do tempo
No compasso repetia
Que estava morto seu ego
Foi-se o Máscara de prego
Vencido na poesia

Já raiando quase o dia
Recitou com mais apuro
Dizendo para a platéia
Lixo não é pé de muro
O verde em toda retina
É a terra nordestina
Em nossa visão de futuro

*Trechos do cordel (Inédito) - O GUARDIÃO DO RISO - Homenagem em Vida ao Poeta Antonio Francisco
Autor: Zelito Coringa – Multi Instrumentista,Compositor e Poeta – Poti-varzeano de Carnaubais/RN
Zelittocoringa@hotmail.com – 84-9999-7517 / 9117-2530

A SANTA LUZIA DO MEU TEMPO




Gilberto Freire de Melo (*)

Conheci-a quando ainda se chamava Poço da Lavagem, passando por Santa Luzia e hoje Carnaubais. Ainda bem que não teve, como tantas, o indigesto apelido de "Senador Fulano", "General Sicrano" e coisas assim, sem qualquer identificação com seus costumes, com suas origens, com sua paisagem, com sua cultura nem com o respeito merecido por seu povo.
Vi e freqüentei as gloriosas e inesquecíveis festas de Santa Luzia. Ficava à margem esquerda do rio Açu que era transposto, quando seco, tudo bem, mas, quando cheio, em toda a sua plenitude, em embarcações rústicas, ou a nado, sempre em companhia de tipos e de pessoas com características próprias e insubstituíveis que acorriam aos primeiros dobres festivos do sino da padroeira, convidando a população local e de outras comunidades, mesmo distantes, para os festejos que duravam semanas inteiras, num ritual, ao mesmo tempo, místico e profano, onde se acotovelavam os artesãos, as doceiras, os jogadores, os boêmios, as beatas e as quengas num redemoinho fervilhante de alegria e de festa viva.
O carrossel, sem qualquer artifício elétrico ou eletrônico, era impulsionado por braços humanos que faziam girar, rodar, correr num frenesi alucinante e contagioso, animado pelo conjunto musical de Mariano ou de Zé Menininho, os maiores tocadores de concertina da região, que não apenas convidava, mas obrigava homens, mulheres e crianças à participação e à exploração de suas funções até porque teriam, no final, assunto para os comentários na ociosidade dos alpendres e nos intervalos das tarefas do corte de palha, à sombra magnífica e refrescante das carnaubeiras.
As doceiras - que ornamentavam as ruas com suas mesas coloridas, lindas, cheias de alfenim, cocadas, doce-seco, bolo-de-milho, pé-de-moleque, doce-de-coco, raiva, sequilho, "gelés" com guarnições de toalhas brancas, alvas, limpas e asseadas, e tantas outras iguarias que só a lembrança nos enche a boca d’água.
As gengibirras e os aluás gostosos, engarrafados para venda a retalho, que, mesmo sem o gelo, um produto inexistente, refestelavam o pessoal participante, num consumo guloso em que se salientavam os sabores, o colorido e a qualidade da fabricação.
As mesas apinhadas de cestinhas coloridas, de bonecas de pano, de brinquedos infantis produzidos num artesanato multicor, mais humano e artístico que comercial, atraíam não apenas as crianças, mas também os rapazes e as moças que, de mãos dadas, “brincando com o coração”, percorriam as imensas filas de mesas recheadas de peças do exclusivo e inigualado artesanato local.
A jogatina que não era proibida e em que se destacavam os mais espertos, os artistas das cartas e dos dados - os bozós; a supremacia astuciosa de Tributino na manipulação do baralho viciado e do "caipira" em copos de vidro, onde fazia valer a inteligência e a aptidão insuperáveis, sempre ganhando de nós, os "trouxas", como nos apelidava.
Os sambas, as batucadas, os cocos de roda e os "fobós" tocados por Mariano ou Zé Menininho atravessavam a noite e as madrugadas, num bamboleio entremeado de requebros e de sapateado, numa esfregação alucinante e sensual, num remelexo indescritível e emocionante, apenas entendido por aqueles que participavam e que amanheciam de olhos grudados de poeira do piso de barro batido e da fumaça das lamparinas ou piracas iluminadoras do ambiente.
As serestas em que se distinguiam o violão de Pedro Lélis, o cavaquinho de Francisquinho Nascimento, o pandeiro de Manoel Galo e a voz de Anterino, às vezes acompanhados do saxofone de Mestre Avelino, o mais consagrado maestro da região, digno de registro nos anais da história, hoje apenas lembrado em poucas memórias que fatalmente desaparecerão.
A banda-de-música executando alvoradas memoráveis, percorrendo, ao quebrar da barra, as poucas ruas do povoado, que acordava ao som de valsas como "Royal Cinema" e dobrados como "Cisne Branco", inesquecidos por quem conviveu com esses festejos, e invejáveis àqueles que não os conheceram, nunca mais repetidos, até porque a Santa Luzia do meu tempo foi cruel e impiedosamente implodida pela violência das enchentes do rio que lhe dava razão de existir. E a saudade, como dói!

Texto extraído do Livro do autor que será lançado Brevemente

sábado, 19 de abril de 2008

A NASCENÇA DO ZÉ MOSQUITO


Zelito Coringa (*) Autoral

ANTES DO PARTO
Os raios da estrela azul do ser criativo refletirão sobre os meus pequeninos pés. Permita-me ó Grande Musa do universo ter a proteção e a benção para que seja verdadeira a minha voz. Sinto-me guerreiro enfrentando o desconhecido sem a desdita de qualquer fracasso. Não recusarei o primeiro passo, nem a entonação do primeiro grito, no palco vigilante das descobertas verei a cor cintilante do bastão invisível dos empecilhos e não me renderei ao que enxergar com a vista. Jamais me entregarei ao frio de qualquer indiferença. Aqueço-me na tua chama e com gentileza o inimigo da vida me entregará suas armas. Sem qualquer traço de vaidade agradeço a tua presença nesta bolsa de líguido, e sempre. Lanço-me na correnteza e volto de nado aos teus agrados. E nada mais. Quando o milagre da chegada acontecer em meus olhos a tua face estará refletida, e mais jovem em meu coração de menino. Cuide também do meu ser artista, por ser mais senssível que o resto de mim.
Não demarque o espaço, nem prenda-o num fio do espaço. Eu serei da terra, e vençerei sem apego à vitória.
De meio em meio tom agarrado ao instrumento levarei cantigas e pronto.

O SIMPLES NASCEDOURO
Uma forte chuva trazida nas canelas do El Ninõ fazia correr o Rio Piranhas em correntezas fabulosas. O tempo se fechava vindo das bandas do lagamar. Na vista dos curiosos riscavam trezentos curiscos no céu vindos na direção do cariri. - Ói vai ser grande a cheia, bem que disse Zé Botinha, ano de quatro é na certeza, e padim S. José nunca faiou.
A madrugada adentrava nos gemidos das dores daquela mãe nordestina, esperançosa carregava no buço magrelo uma criança desnutrida, que a todo custo queria chegar ao mundo antes da hora. Os trovões bumbavam feito toque de zabumba nos forrós da tabatinga, raios incessantes adentravam pelos buracos da parede clareando a camarinha da gestante indigente. Protegida por uma ruma de santos esprimidos no espelho da penteadeira, iluminada pelos lampejos que fortemente refletiam e, sob os abanos do vento deixavam à vista o mobiliário dos seus aposentos no sincnonismo dos trovões e relampagos ligeiros. Porém, um cotoco de vela aceso já no fim do pavio lamentando a falta de gás do candeeiro, que iluminava piedosamente uma bacia de ágata com água morna. A face do Cristo refletida em Nossa Senhora do bom parto ampliava a luz dando a divina protenção ao ambiente. O suor pingando no rosto da coitadinha, enquanto o pai estatelado na parede da cozinha ruminando a sua fraqueza de homem bruto. Mas, a fé que em seu peito não batucava revestia-se de medo agoniando o seu juízo apontando de fraqueza. Por toda a vizinhança Jogavam-se as cinzas benzidas das fogueiras de São João para acalmar a ventania, e o rosário abençoado por um Bispo da redondeza pregava-se atrás da porta de entrada. Mãe Joana Bornoca entoava suas rezas do seu trançado bento com palha de carnaubeira aliviando a tempestade. Entre o compasso incessante dos pingos que açoitavam o telhado gotejante do casebre e do berreiro dos bodes medrosos da chuva; Ouve-se ali o choro de um bichin, que de olho aregalado escutava com felicidade a algazarra também pássaros. dos grilhos, dos sapos e do converseiro comprido dos mais curiosos. O pai que aparava água de beber na bica nem deu fé do trabalho de parto mulher. Ele um cabôco ajumentado de vaqueirice, puxador das entranhas de vacas e currais de bezerros ficou avamelhado de susto.
Bateu logo um trimilique nos cambito das pernas, uma gastura na boca do estomago, fraquejou sentindo-se um desgraçado e covarde, num chegou nem perto, fez que estava na biqueira, contando as milimétricas gotas da chuva que caiam sobre a sua plantação de sonhos e algodão verde-mocó. Enchendo o pote inté a boca e tampando os ouvidos no primeiro esperneio e gritos de socorro, chega a parteira montada numa jumenta cheia de troço. Tirando dos cacoás seu maquinário parturiente. Ela Dona Zulmira Pereira, desapeia com toda autoridade dando vivas e obrigando ao dono da casa, ordenando-lhe a segurar as pernas e agarrar nas asas da segonha. E num ouve acordo não. Esse era o trato, no serviço gratuito da parteira tinha que ter o acampamento do chefe da familia, para o sujeito sentir a dor do nascimento, ser mais amorroso com o rsto da criadagem, se não seria tachado de homem frouxo. Essa brenda muitos se recusaram, apesar de manterem a fama de machões. Enquanto os filhos desciam de costela abaixo, Zeca Pai do Mato num chegou nem perto. Espiava sempre da brecha, e demorava dias a vê os olhos apitombados dos seus finhin. Foi assim que nasci e mamãe contou pra mim.


Trecho do Livro Inédito "A Nascença do Zé Mosquito

(*) O Autor é Natural de Carnaubais, Músico, Poeta e Mantém um caso de Amor com a Natureza



O MEDO DA MEMÓRIA









(*) Gilberto Freire de Melo
Escritor pendenciense

Há pessoas, em todas as classes humanas e sociais, que têm medo da memória. Algumas, mesmo sem motivos reais de assombração, até por não terem ou serem objetos de registro, têm medo assim mesmo. Outras, apavoradas com a divulgação ou registro público de ações de seus ancestrais, ou de liames intrínsecos, desde que não acobertadas pela dignidade, ou por sentimentos de gratidão, de reconhecimento, de admiração, se ressentem ao mais leve sinal da abertura de arquivos memoriais.
Não é o caso de pessoas, de tipos culturais que, mesmo useiros de hábitos ou de linguagem marginalizados, são motivo de orgulho e de citações obrigatórias nos mais eruditos registros e santuários da memória pública onde se deve guardar a história, o veículo mais importante da passagem do tempo, fato indispensável à coexistência das gerações.
O caso de Seu Nilo da Boa Vista, por exemplo é digno de registro sem envergonhar seus descendentes e sem ofensa ou afronta aos meios culturais. Nasceu, criou-se e viveu ali, sem conhecer outro ambiente a não ser o pé do balcão de Miguel, no povoado, onde diariamente tomava suas leroadas, após o encaminhamento de seus caprinos aos pastos habituais.
Por ser um dos patriarcas mais venerados da terra de Manoel Rodrigues de Melo, Seu Nilo recebia, como bom sertanejo e melhor pendenciense, visitas qualificadas e, com o seu linguajar característico, brindava os visitantes com estórias e causos de alto calão, durante e após o almoço, no alpendre, onde se armavam as mais confortáveis e reservadas redes de dormir, para o exercício da sesta, que ninguém é de ferro.
Uma certa vez, o visitante afortunado era Manoel Casado, diretor superintendente da Companhia Comércio e Navegação, em Macau, que, vez por outra, invadia os domínios do Faraó para a reciclagem gastronômica e mental, ao sabor das tiradas antológicas próprias do fazendeiro, que não pedia licença nem ao Papa para empregar seus conhecimentos lingüísticos, próprios da região e da formação adquirida.
Deitados em redes especiais, estavam Manoel Casado, esposa e filhos, Seu Nilo e agregados, assistindo ao costumeiro festival de sexo, acompanhado do alegre som do bodejado que não podia faltar.
Sem entender alguns detalhes sexuais das ações dos caprinos atuantes, Manoel Casado, curioso, perguntou:
-Seu Nilo, por que é que os bodes lambem o cipó quando descem das cabras?
Sem titubear, Seu Nilo respondeu:
- Você não lambe o seu porque tem o pescoço curto.

(*) Autor de Absurdos Gramaticas e Reportagens que Ninguém Escreveu

O VIOLEIRO E A RETÓRICA DA JIA


Zelito Coringa (*) Autoral

Da viola vertem os versos, do rio descem as águas fazendo xorróxóxó na vazante da rima. Mas, cadê a viola tocando nos alpendres beradeiros?
Nos entroncamentos das primas primadas de sons improvisais?
Cadê o rio correndo de estaleiro abaixo junto ao cantarolar da velha jia, Congelada de frescor quando se camba a noitinha nas margens do Rio Piranhas?

E o açude no torrão de barro? – Não, não secou não, diz um andarilho aboiando pra cacimba sua boiadinha de osso fictícia.
E a vertente no coração do poeta minguando bordões de improviso?
Da donzela que encanta e desencanta o poeta abrindo a cancela dos sentimentos? E o colchete na cancela dos olhares ao dedilhar do pinho, tinindo feito som de arame farpado na visceral carne do desejo em desafio?

Implorando a germinação dos girassóis na manhecença do capim que cresce na babugem dos afoitos guaxinins, dos marrecos azuis cantadores e socós avuantes de repente nos aredores lá de nós? – Decorando a sinfonia dos orquestrados sapos, que afinam seus gogós na lamina de aço da viola repentista. Pasmo de ensolação e rachões de açudes nos pés, sem um sinal da nuvem cheia, mas, em seguida um bando de paturis cortando o vento arribam do sertão.

Além dos viajantes dedos em arpejos bandolins,
Lavrados de amores incalculáveis nos tratados andejos dos caminhos,
Arados na criação repentina e lógica dos versos,
Perde-se o medo de ser poeta – De ter uma perereca de estimação!

Meu gigante tem a verve de pássaro inbatível das secas, que corteja as flores do presente com sua métrica perfeita,,
Cantarolando uma deixa sobre os marés de atlântida.

O esperançoso dos sertanejos se encontra na anti-sala do castelo magistral dos violeiros; que cultivam amores colhendo pétalas de enredos e orações hamonizadas de sóis, nos tamboretes encostados à parede das estrelas do improviso. Escuta-se a cantoria da velha jia numa lagoa de Marte.
Vá e não esqueça de levar pares de cordas de aço e aquecida voz de sapo. A festa vai se porreta.
Seja veloz, seja muito veloz em sua retórica de artista.
- Vai ser grande o rebuliço quando alguém estender o braço pedindo o passo da dança.
- Cante esse mote sem esconder as verdades.
O nordeste vai ser deserto, toque certo enquanto canta.


(*) O autor é natural de Carnaubais, Músico, Poeta e Tem um caso de Amor com a Natureza

O CAVALO ESQUIPADOR




*Gilberto Freire de Melo

Os habitantes da Várzea do Açu, onde se inclui, geograficamente, com muita propriedade o Alto do Rodrigues, mantinham seus hábitos individuais e ostentavam suas peculiaridades esportivas e divertidas que, muitas vezes ultrapassavam os limites da individualidade, tornando-se uma atividade cultural coletiva, própria da comunidade. Não eram monges carrancudos encapuzados na rigidez de seus caprichos. Eram, pelo contrário, alegres, felizes, brincalhões, bem humorados e participavam das ações de lazer e de entretenimento, freqüentando a casa dos amigos, os bares, as valsas, os forrós, as vaquejadas, enfim uma série de divertimentos em que se empenhavam para espantar o ócio, para afugentar as asperezas e os motivos de alegria surgiam imediatamente.
Alguns, especialistas no ramo, criavam cavalos, uns para serviços diversos, outros para esporte, correndo nas vaquejadas, muito comuns ainda na região, e outros ainda para passeio nas tardes de domingo, em que, sob o estímulo de umas birinaites nas bodegas mantidas por alguns mais dados ao comércio, geralmente instaladas à beira das estradas para exploração de cereais, de mantimentos e de umas bebidinhas que, de vez em quando, não faziam mal a ninguém.
Hoje há quem queira denominar MARCHADOR, nos haras mais importantes de alhures, que não se comparam com o ESQUIPADOR, nem são a mesma coisa, até porque este tinha mais velocidade e seu trote tinha passos miúdos e mais velozes, diferentes do trote, do galope ou da marcha. Era realmente uma marcha especial que desapareceu com os mestres especialistas.
E os passeios a cavalo, comuns na região, eram mantidos por uma casta de pecuaristas extraordinários. Criados e ensinados por mestres especializados, havia os cavalos esquipadores. Eram animais mantidos a fino trato, sob cuidados aprimorados, como: aparados os seus cascos, tosadas (ripadas) as suas crinas, escovado o seu pêlo, finalmente tratados com um carinho de que não gozavam os animais comuns, provocando inveja a outros criadores que não tinham nem usavam esses animais, chamados esquipadores. Além do trato do amestrador, era necessário que o animal demonstrasse cedo, ainda novo, as suas tendências para esquipar, como trotando no meio dos outros, num passo mais leve, porém já indicativo de que seria esquipador. Isso mesmo. Esquipador era chamado o cavalo que esquipava. O cavalo que, a partir de novo, ainda potro, além de demonstrar que se adaptaria, aceitava e obedecia às exigências do amestrador que o preparava para as exibições mais caprichosas do proprietário que, em dias especiais, ostentando o melhor que podia adquirir em termos de arreios e de equipamentos, desfilava nas estradas, nas ruas, e nos povoados, parando aqui, acolá, para umas lapadas com os amigos, que ninguém é de ferro.
O trote chamado esquipe ou esquipar era uma espécie de marcha cadenciada, não muito veloz, assim como intermediária entre o galope e a carreira. Era mais que o trote. Era, realmente, uma marcha especial, diferente do trote, do chouto, do galope e da carreira desembestada.
Tinha uma cadência sem maiores solavancos, sem os balanços das outras marchas, que suportava a
postura do cavaleiro conduzindo na mão um copo cheio de cerveja ou mesmo de água sem derramar.
Havia os mais apaixonados por esse tipo de esporte e de exibição. Eram os criadores, os fazendeiros, os rapazes mais garbosos, mais elegantes, mais charmosos que, montavam os seus cavalos e faziam suas idas e vindas pelas ruas ou por onde morassem algumas pretendidas que se debruçavam às janelas esperando a banda passar.. Geralmente eram pares de esquipadores, cada qual mais interessado em demonstrar as suas e as habilidades de seu cavalo. Na Várzea do Açu, de um e do outro lado do rio, conheciam-se, na Tabatinga, José Bolacha, José Jorge das Neves, conhecido por Jovem, João Martins, Gregório Mucuripe, Expedito Ferreira, e outros mais que engrossavam as fileiras.
Do outro lado do rio, no Saco e Xambá, foram conhecidos:
João Rodrigues Ferreira de Melo, falecido em 1926, um dos mais abastados fazendeiros das redondezas e de sua época, conhecido por Joca de Melo que, aos domingos, desfilava nas estradas poeirentas do Saco até o Xambá, exibindo as suas habilidades, sempre com um companheiro, tomando umas e outras, contra a vontade de sua esposa, D. Balbina, que não aprovava esse comportamento. Joca de Melo, sem dar trelas às implicações da esposa que, insulktava a esposa, sabendo que ela, mesmo desaprovando, permanecia no alpendre da casa grande, para receber os galanteios do marido exibicionista. Todas as vezes que passava em frente à residência, Joca de Melo “riscava”(*) o cavalo, tomava o copo de cerveja que conduzia sem derramar desde a fonte, a bodega onde captava a “água benta”, tirava o chapéu e cumprimentava:
- Boa tarde, Dona. Balbiiiiiina!
A mulher que gostava, mas fazia que não, respondia com idêntica cerimônia e no mesmo tom:
- Boa tarde, seu sem-vergooooooonha!
Joca de Melo ria gostosamente e voltava ao outro ponto terminal, onde o esperavam os amigos. Tomava umas e outras e repetia a jornada. Assim passava as horas, desenfastiando o ócio e o mormaço das tardes quentes porém gostosas do nosso verão.
Ainda no Saco se registrou a existência de exímios esquipadores, como Chico de Barros, aquele que levou um tiro no peito, depois de passar esquipando em seu cavalo diversas vezes em frente à casa de Antônio de Gila, conhecido por Seu Tonho de Gila, como a desfeitear a sua família depois do entrevero em que deu umas ligeiradas na irmã de Seu Tonho. Não tinha medo e gostava de comemorar suas ações, desfilando, em seu cavalo esquipador, para afrontar a família desmoralizada. Foi numa dessas tardes domingueiras, esquipando em seu cavalo, em companhia de Zé Correia, cada um no seu, é claro, que, ao passar algumas vezes na frente da casa de seus desafetos, levou um tiro de rifle nos peitos, disparado por Seu Tonho que não perdoara as ligeiradas que Chico de Barros aplicara em sua irmã (de Seu Tonho).
Assim também, numa de suas escaramuças anteriores, Chico de Barros que ameaçara acabar com a feira comercial inaugurada no vilarejo de Pendências, chegou esquipando em seu cavalo para afrontar Luiz Gonzaga, o chefe político de então, e foi recebido com um tiro na coxa que frustrou a sua intenção de acabar a feira, fatos já enunciados por nós em outros trabalhos, igualmente temáticos como este.
Dos mais adestrados esquipadores conhecidos na região, ainda estão aí Expedito Ferreira das Neves e Valdecir Medeiros de Moura, firmes e fortes, apesar da proximidade dos noventa janeiros, prontos para esquipar e fazer riscar os mais afoitos cavalos que porventura lhes apareçam.
Há um detalhe interessante a ser analisado. O professor, o mestre, o especialista em ensinar tem que saber e saber bem a teoria e a prática do que ensinam. Em todas as atividades conhecidas como objetivos de ensino, apenas os mestres de cavalos esquipadores não sabiam esquipar. Não é interessante?
Não deixavam, os cavalos esquipadores, de produzirem uma certa euforia em quem os montava, tornando-os petulantes, até arrogantes, posto que era uma destreza não atribuída a muitos, e eram poucos os animais que se adaptavam a essa técnica. Conheceram-se alguns cavaleiros esquipadores que desfilavam, em todo o percurso, com um copo d´água ou de cerveja na mão, sem derramar o líquido, dada a serenidade do passo do animal. Não eram também muitos os mestres que tinham a maestria de Chico Caetano, exímio treinador e especializado em adestrar potros esquipadores.
(*) “Riscar o cavalo” significava obrigá-lo a uma parada brusca que, de tão violenta, riscava o solo com os cascos que deslizavam, provocando uma nuvem de poeira no local.. Assim, Joca de Melo riscava o seu alazão para, com toda a cortesia, cumprimentar D. Balbina, sua esposa, num gesto especialíssimo de cortesia, fazendo a corte, como se dizia na linguagem colonial.
ALTO DO RODRIGUES - Uma história de Amor e Progresso / Livro em que se publicou o texto. Contatos: 084-3234-8881

OS BARRADOS DA BARRAGEM

Foto de Getúlio Moura, o tabatingueiro, autor de Um Rio Grande e Macau

Zelito Coringa (*) Autoral

O que podemos dizer da eficiência do desenvolvimento na nossa região que, num piscar de olhos, desçe de ribanceira abaixo levando toda a riqueza, com sortimento de salada mista de frutas e camarões, de currais e hortaliças dos beradeiros, de vazantes inexistentes e a insalubridade aguda dos cacimbões. Que dirão os pensadores manobristas dessas paragens inteligentes? A chuva, símbolo da fartura, se fez calamidade e tudo é bem resolvido na base do assistencialismo. E por onde vai o misto da verdade buscar o verdadeiro entendimento? Ele segue pela antiga estrada da várzea, no meio do atoleiro intolerável do presente, nunca chega à terra prometida do futuro decantada em versos?


O passado se retrata na imagem mais digital desse instante. Nesse exato momento, muitos estão desabrigados, deslocados em abrigos e bem assistidos, até. Solidariedade não falta, ninguém pode negar isso. Agora é preciso dar nome ao culpado das enxurradas violentas. Sim, eu sei quem é o responsável, responde o mesmo sitiante esperançoso e analfabeto - Deus! Deus é que pode tudo. E Esse mesmo Deus, temido por todos nós, será então morto e crucificado num tronco de carnaubeira para livrar o nome dos bois. Que vós não sejais chamado de quaisquer coisa ruim.

Muito tempo já se passou depois da contrução da tão milagrosa barragem Ribeiro Gonçalves. Mas a quem verdadeiramente vem servindo com todo o seu manancial irrigatório? Pergunto: e os grandes açudes, as lagoas e afluentes desviados de seus cursos? Estão dizendo que mais açudes virão e a transposição também vem, consequentemente mais água, mais água e nenhuma gota para irrigar cultura nenhuma do povo.

A tal sustentabilidade escrita nas agendas do século 21 estão guardadas onde? Será que alguém esqueceu dentro de uma tapera e se foi pras profundezas do oceano junto com as bananas?

Os barrados da barragem - do Baile Festivo do Inverno fora de época de 2008 - são os mesmos homens e mulheres que continuam na lista cruel da fome e esperam o interminével abraço de quem trás na hora mais castigante o ingreso da moeda de troca.

O autor é Natural de Carnaubais, Músico, Poeta e Amante da Natureza

BEIRADEIROS OU BERADEIROS?




Gilberto Freire de Melo (*)

Quase caí da cadeira ao ler a notícia sobre a pesquisa de Nazira Vargas, no Vale do Açu. Não contive o susto de ver revivida uma expressão que julgava extinta do vocabulário regional.
O CLAMOR DOS BEIRADEIROS, título de sua tese de mestrado na PUC/SP. Só que a Dra. Nazira descobriu os beirantes - situados à beira, à margem (estou certo, Nazira?) do rio Açu. Estes habitam a beira do rio desde o começo, onde ele ainda aparece como Piranhas até o Oceano Atlântico e, dado o limite das duzentas milhas da plataforma continental, não se sabe onde vai acabar. É o território do Vale do Açu. Bendito Vale de tantos cantores e de tantos clamores!
BEIRADEIROS - a grafia está correta, embora pedante, e existem ao longo do rio e podem ser ricos, pobres, letrados ou não.
BERADEIROS - o som aberto do primeiro - "é" - em fidelidade à pronúncia dos próprios, são os mais rústicos, tabaréus, matutos, porém os mais identificados com a região e seus clamores. Constituídos de carreiros, lenhadores, pescadores, agricultores, operários de salinas e da indústria extrativa da cera da carnaúba vivem e são encontrados ao longo do curso do rio passando pela "garganta do Estreito" e prosseguindo até as terras salinizadas pelas marés aquém do Oceano Atlântico, área denominado de Várzea do Açu que, dentro do grande vale, vale tudo para os Beradeiros.
Não alfabetizados, vêm de uma casta que não conheceu o rádio, o jornal e muito menos a televisão. Ignoravam qualquer informação mais esclarecida sobre o progresso em outras regiões. E duvidavam da existência de outras culturas além de seus horizontes. Conheci um que, de tão brôco (não era bronco, era brôco mesmo) tinha o nome de Chico Berada.
BERADEIROS sou eu e todos aqueles que clamam por assistência sanitária, escolar, financeira e social e, assim marginalizados, conseguem sobreviver na Várzea do Açu.


(*) O autor é da Várzea do Açu, estudioso de sua linguagem, costumes e hábitos - e é BERADEIRO.

BOM DIA DE CHEGADA

Sejam bem chegados a este espaço beradeiro, que aqui possamos trocar informações contributivas para o nosso vale do Açu. Abraço a todos que nos visitarem.